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domingo, 6 de junho de 2010

Luz Amarela Para a Ação Missionária na África- Pastor Andre N'Quina Quiala -In Memoriam

Depois da crise missionária de 1945, que culminou com a realização do Primeiro Congresso Missionário na África, em Kinshasa, Zaire, em julho de 1946, motivada pelo preconceito racial dos missionários, seu abuso à cultura, à ignorância, às estruturas familiares e descaso com obreiros nativos - razões não mencionadas em seus livros (estes restringem-se a exaltar o seu heroísmo ou, então, a macumba e a miséria africanas) -, vejo o mesmo filme se repetindo na atual onda missionária. Como africano que sou, desejo que meu continente seja salvo, e quero aproveitar esta oportunidade para dizer o seguinte: "vejo a ação missionária para a África na luz amarela, apontando para o vermelho". Para que isso não aconteça importa que falemos um pouco a respeito desta realidade.
Quando vamos ao médico, mesmo gemendo, ele não nos aplica qualquer medicamento sem, antes, conhecer nosso histórico, salvo quando ocorre algum acidente. As missões evangélicas, porém, têm se comportado como um médico que trata pacientes sem diagnosticá-los. É assim que nós, africanos, nos sentimos. É hora da igreja do Ocidente conhecer a África e os seus filhos, e não suplantá-los com desdém ou paternalismo. Se somos alvos de Missões, devemos também merecer o direito de sermos ouvidos. Conversei, há cerca de quatro meses, com um muçulmano africano que me disse: "Até os latino-americanos querem cometer os mesmos erros que a Europa cometeu, a mesma discriminação, dividindo-nos, e depois chegam dizendo que vosso Cristo nos aceita como somos! Como você, um pastor evangélico, analisa isto?". Tenho mantido esta amizade e dialogado mais sobre o Cristianismo, graças a Deus, mas esta é uma ponta da luz amarela. De 1978, até hoje, classifico este momento como a terceira ação missionária para se ganhar a África para Cristo. As duas primeiras não alcançaram os seus objetivos fundamentais. A cruz não uniu os africanos e muito menos as tribos nos países, antes, contribuiu para as facções se fortalecerem.
Vamos abordar alguns perigos que rondam esta terceira leva missionária, que pode resultar num novo fracasso, caso não sejam tomadas algumas medidas concretas por parte das igrejas e, principalmente, das agências missionárias. Depois da abertura, em 1985, dos 11 países africanos mais fechados ao Evangelho, devido ao regime comunista e, consequentemente, à aceitação de missionários, o Brasil se mobilizou na preparação e envio de missionários, especialmente a países de língua portuguesa. Mas esse movimento está sendo assediado por perigos criados pelos próprios missionários e não estão sendo discutidos nos grandes encontros missionários e consultas, aos quais tenho tido acesso.
Quero enumerar alguns destes perigos:
1. O envio anárquico dos missionários, com uma maioria deles apresentando despreparo e deficiência de relacionamento com os nativos, principalmente os líderes. Tenho dialogado com líderes de alguns países africanos e todos se queixam do mesmo assunto. E isto já está gerando rachas em algumas igrejas.
2. As lutas entre denominações e correntes teológicas diferentes, que enviam ou "adotam" líderes nativos credenciados a partir do Brasil, chegando à África, racham as denominações para atenderem o anseio de suas lideranças. Se por um lado, estas, estão contribuindo, do outro, estão causando danos num povo já marcado por inúmeras facções culturais e políticas.
Outro problema, são irmãos de igrejas tradicionais, que desacreditam em demônios mas, aqui no Brasil, escrevem livros que falam da macumba na África e, lá, não libertam ninguém das garras do diabo. Logo, a conversão é superficial e uma mera aderência religiosa. E, os pentecostais, que chegam ao extremo de serem confundidos com os movimentos proféticos tradicionais africanos, que obrigam africanos a andar de camisa e gravata sob o sol e temperaturas de 40 graus na sombra?! Não bastasse isso, agora chegamos neo-pentecostais, com as suas cruzadas milagreiras, ajuntando massas, divulgando estatísticas falsas... Se no Brasil "malhação" é nome de novela, na África, é princípio homilético. É missionário malhando missionário por causa de diferentes correntes teológicas, que não acaba mais... Conclusão, não bastassem as tribos, clãs e ideologias políticas que nos separam agora, também, as denominações evangélicas e suas teologias nos levam a isto. Um ancião e sociólogo angolano certa vez me disse: "Acredito mais na coerência do meu clã do que na unidade dos evangélicos".
3. Uma outra forma, são equipes enviadas por agências missionárias, que estão se transformando em denominações. Em 97, um líder de Guiné Bissau conversando comigo afirmou, em tom de denúncia, o seguinte: "as equipes das agências só executam ordens de seus líderes, no Brasil. São insubmissos, só dão aulas na E.B.D., não participam nos cultos, desprezam a nossa pregação". Aí você pode pensar que isto seja um caso isolado, então eu digo: "Pois, então, converse com alguns líderes de convenções denominacionais de Angola e Moçambique!"
4. O fenômeno candonga, isto é, "comércio paralelo". As lideranças africanas estão notando que os mesmos interesses de missionários de décadas passadas, que iam em busca de diamantes, peles de leões, onças e jacarés estão voltando agora, mas com outra cara - importação e exportação. Já existem, na África, missionários donos de construtoras. Depois de alguns anos como missionários aqueles homens já não são mais construtores de tendas e, sim, empresários.
Se a igreja brasileira não quer ser citada nas tristes páginas da história do Cristianismo, na África, é hora de reconhecer que nem tudo é sucesso. Vamos rever o espírito paternalista, fazer as coisas com seriedade, e aprender com alguns africanos, capazes de ajudar, nesta nobre tarefa, para que tudo vá bem.
Não quero afirmar que a África (especialmente Angola) não precisa de missionários. O que quero dizer é que "as feridas causadas por missionários-colonizadores, que estavam se fechando, estão sendo reabertas". Assim como estamos repensando as ideologias políticas do Ocidente, está acontecendo juntamente uma crítica à ação missionária. Com isso percebe-se uma reviravolta nas igrejas cristãs totalmente africanas, confusas, a ponto de quererem levantar um Cristo negro entre seus líderes. Esse fenômeno iniciado em 1910, já atingiu 40 denominações (com mais de 100 mil membros cada) entre os países do Sul da África. Não vejo nenhum missionário estudando este fenômeno. Só lhes chamam de "animistas", mas, lendo seus credos, não encontramos diferenças entre estes e os das denominações protestantes conceituadas. Não é um fato para se estudar?
Está na hora dos Estados Unidos ouvirem os brasileiros, mas, também, dos brasileiros ouvirem os africanos...
André N'guina Quiala - In Memoriam - Pastor Valdir - nucleocristao@ig.com.br

Um comentário:

Pastor Celso disse...

Muito bom artigo. Temos que ouvir uns aos outros e nos preparar melhor para os desafios missionários. O pr. Quiala tinha razão.

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